Home office ou presencial? Veja os desafios do presencial.

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Às 3h da madrugada, quando a grande maioria dos brasileiros está no meio do sono, o despertador toca na casa de Carlos Rafael da Cruz Novais. Ele mora no bairro da Paciência, na zona oeste do Rio de Janeiro, e precisa chegar às 6h na transportadora em que trabalha como conferente, na Pavuna, bairro da zona norte, a 35 quilômetros (km) da casa dele.

Correndo contra o tempo, Carlos Rafael sai de casa às 3h30. A primeira parte da jornada rumo à empresa de logística tem que ser uma caminhada de meia hora.

“De madrugada não tem transporte público, não tenho opção de van nem ônibus”, lamenta.

Em seguida, um trecho de ônibus e um complemento de van concluem o trajeto. “Gasto duas horas e meia”, calcula. Na volta, muitas vezes o deslocamento chega a três horas. “O trânsito é pesado, e o transporte para muito”, conta à Agência Brasil.

Carlos Rafael resume as consequências do tempo desperdiçado no deslocamento de forma direta: “cansaço físico e mental”. Na ida, ele consegue tirar um cochilo com tranquilidade, mas na volta a viagem é mais desgastante. “Os ônibus têm ar-condicionado, mas não funciona. É tudo fechado, um calor infernal. Enche, para muito”. 

“Quando vou ver, perdi mais tempo de viagem do que trabalhando ou descansando”, diz o conferente de 30 anos, que ainda arranja espaço na rotina diária para fazer faculdade de engenharia de produção de forma semipresencial. Em algumas épocas, consegue também trabalhar em casa como confeiteiro, fazendo bolos.

“Esse tempo de viagem que eu levo é precioso. Se eu conseguisse economizar uma ou duas horas, seria muita vantagem, eu conseguiria ficar mais organizado na questão de academia, faculdade e trabalho”.

Preocupação com atrasos

Assim como o conferente no Rio de Janeiro, o porteiro Pedro Luiz da Silva, de 58 anos, acorda ainda na madrugada para trabalhar, por volta de 3h30. Ele mora no Tucuruvi, bairro na zona norte de São Paulo e trabalha em um prédio na região do Bixiga, na zona central da maior cidade do país, famosa pelos intermináveis congestionamentos. 

Às 4h10 ele pega um ônibus para chegar à estação de trem Tucuruvi, da Linha 1-Azul. A primeira composição sai às 4h40m. No entanto, Pedro Luiz, que segue até a estação São Joaquim, conta que começa lá a primeira insatisfação. “O metrô nunca sai no horário certo, sempre atrasa. Fica muito tempo parado nas estações, e o que levaria 20 minutos, às vezes, leva 30”, se queixa.

“Já acordo cedo pensando nestas situações, pois não gosto de chegar atrasado”, diz precavido o porteiro, que leva entre uma hora e uma hora e meia até o local de trabalho.

Pedro Luiz reclama também do deslocamento na volta para casa. “É pior ainda, atrasa muito o metrô. O retorno é de aproximadamente duas horas”.

Procurado pela Agência Brasil, o Metrô de São Paulo não se manifestou.

Já sobre as queixas de Carlos Rafael no Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Transportes informou que ações de fiscalização nas ruas fazem parte da rotina do órgão. “Só no último ano, foram aplicadas cerca de 7,8 mil multas aos consórcios por problemas de conservação e falta de ar-condicionado “, afirma.

A secretaria acrescenta que, dependendo do estado do veículo, podem ser lacrados. Segundo a pasta, 80% da frota da cidade é climatizada.

Sobre a falta de ônibus na madrugada, a Secretaria de Transportes informou que monitora, via GPS (sistema de posicionamento global via satélite), a operação de cada linha. “Caso não atinjam a meta de 80% da quilometragem diária determinada pelo município, não recebem o subsídio”.

Ainda segundo a secretaria, o plano operacional é revisado mensalmente com base em dados de demanda por hora, pesquisa de ocupação dos veículos e reclamações recebidas sobre as linhas para atualização da quantidade de viagens. “Mais linhas podem ser criadas ou retomadas conforme a verificação da necessidade”, explica.

Produtividade e bem-estar

Os dois casos relatados pela Agência Brasil neste Dia do Trabalhador são apenas uma amostra do que acontece diariamente com inúmeros trabalhadores em grandes cidades brasileiras. Um levantamento divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em agosto do ano passado revela que 36% dos trabalhadores passam mais de uma hora por dia no trânsito.

A pesquisa identificou que 21% ficam entre uma e duas horas dentro do transporte; 7% passam entre duas e três horas; e 8% gastam mais de três horas. O estudo identificou também como o tempo dispensado para ir e voltar para casa afeta a rotina dos trabalhadores.

Mais da metade (55%) afirmou que têm a qualidade de vida afetada. Para 51% dos pesquisados, a produtividade é impactada negativamente por causa do tempo de deslocamento.

O efeito na produtividade pode ser mensurado pela resposta de 60% dos entrevistados que afirmam que já chegaram atrasado e/ou estressado no ambiente profissional. Mais de um terço (34%) afirmou já ter perdido um período de trabalho. 

Os impactos no ir e vir afetam também o futuro dos trabalhadores. O levantamento identificou que 10% já resolveram trocar de emprego por causa do tempo de deslocamento, enquanto 32% deixaram de aceitar oferta de vaga por problemas de locomoção.

O estudo da CNI foi feito em abril de 2023 com 2.019 pessoas da população economicamente ativa (PEA) brasileira acima de 16 anos, em municípios com população a partir de 250 mil habitantes nas 27 Unidades da Federação. A margem de erro é de dois pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%.

Desgaste do trabalhador

O sociólogo Alexandre Fraga, professor do Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), aponta que são inúmeras as pesquisas no país que associam impactos na produtividade a problemas de mobilidade das grandes cidades, como congestionamento, tempo de espera, conduções cheias e desconforto térmico.

“Essa situação recorrente afeta a qualidade de vida deles, eleva a irritabilidade e o cansaço e diminui as horas dedicadas ao lazer e ao descanso”.

Fraga cita o conceito de ócio criativo, desenvolvido pelo pensador italiano Domenico de Masi, que defende o tempo livre como necessário para estimular a criatividade e proporcionar bem-estar, imprescindível para o aumento da produtividade no trabalho.

“O tempo de não trabalho é importante justamente para não sobrecarregar o trabalhador, para que possa descansar, relaxar, ter momentos de lazer. Poderia dormir um pouco mais, ter mais lazer ou passar mais tempo com a família”.

Além do tempo do deslocamento em si, o sociólogo da Uerj explica que as condições da locomoção impedem que o tempo gasto no transporte seja mais bem desfrutado.

“Mesmo que queira aproveitar as horas no transporte público para ler, ouvir música ou qualquer outra possibilidade de ócio, [o trabalhador] enfrentará obstáculos, como conduções cheias, viagens em pé e falta de climatização em parte da frota de ônibus, por exemplo”.

São condições que afetam diretamente o desempenho no ambiente profissional. “Se tiver um trabalho mais manual, já pode chegar cansado antes mesmo de começar a jornada. E se tiver um trabalho mais mental, já pode chegar estressado e com dificuldade de concentração”, ressalta.

Na busca por mitigações, o professor defende ações por parte do poder público e de empresas.

Às autoridades públicas, caberia elaborar estudos, pensar os gargalos da cidade, planejar a mobilidade urbana e integrar os diferentes meios de transporte. “Isso ajudaria a conter os congestionamentos e diminuir o tempo de espera”. Além disso, acrescenta Fraga, é preciso fiscalizar o cumprimento das regras do contrato, de forma a evitar superlotação e garantir climatização da frota.

Já as corporações poderiam insistir em experimentos, como a semana de quatro dias de trabalho. “Qualquer medida que aumente a qualidade de vida dos trabalhadores, amplie o descanso e lazer e os deixe mais felizes é importante para a cultura de uma empresa, para o ambiente de trabalho e para as metas e os resultados a serem alcançados”, acredita.

Investimento

O professor Creso de Franco Peixoto, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avalia que há no país uma “clara falta de recursos para que possamos fazer as efetivações de muitos projetos que envolvem a mobilidade”. Além disso, em se tratando de planos de mobilidade, ele critica “visões celulares”, como se várias regiões de grandes cidades fossem unidades isoladas.

“Regiões metropolitanas são compostas por vários centros, e a busca por oportunidade de trabalho se dá, não raramente, de forma intercelular, ou seja, se apresenta entre essas cidades, entre esses centros”, diz à Agência Brasil.

Para o professor da Unicamp, existe a necessidade de busca e efetivação de projetos que envolvem volumes de recursos extremamente altos, “mas que têm retornos do ponto de vista social e ambiental”. Segundo ele, as fontes de recursos podem ser do poder público ou de parcerias público-privadas (PPP), como já existe, por exemplo, no metrô de São Paulo, onde a Linha 4-Amarela é uma PPP desde 2010. São 12,8 km de extensão e 11 estações.

Peixoto elenca como medidas necessárias a multiplicação de vias expressas, sistemas de semáforos que privilegiem o transporte público e implantações de modais como Bus Rapid Transit (BRT, corredores exclusivos para ônibus expressos de alta capacidade de passageiros) e veículos leve sobre trilhos (VLT).

Outro sistema de transporte de massa defendido pelo professor da Unicamp são linhas de “metrô de verdade”, ou seja, efetivamente subterrâneas, no qual as estações sigam o esquema Origem e Destino (OD), isto é, o metrô vai até os pontos de grande circulação, sem a necessidade de as pessoas terem que sair dos seus caminhos para irem até estações mais afastadas das melhores rotas de circulação.

“É para atender o trabalhador, o passageiro da cidade e não cargas. Existem alguns metrôs no Brasil que, na realidade, se tratam de antigas linhas que levavam cargas e foram adaptadas para levar pessoas”, aponta.

Para ilustrar a capacidade de modais de massa, Creso Peixoto lista a capacidade de transportar pessoas, por exemplo, em uma via com faixa de três metro de largura, medida padrão de uma rua.

Se for exclusiva para carro, o volume é 2 mil pessoas por hora; no caso de ônibus, até 9 mil; se VLT, chegaria até 22 mil. Já o metrô transportaria 100 mil aproximadamente.

O professor reconhece que quanto maior a capacidade do meio de deslocamento, maior o custo de implementação. Enquanto são necessários US$ 1 milhão para construir 1 km de rodovia, este valor salta para US$ 5 milhões para um trecho de BRT, US$ 50 milhões para 1 km de VLT e US$ 100 milhões para cada km de metrô.

“Parece que a solução é só BRT, não é verdade. As grandes capitais têm movimentos gigantescos de passageiros que não se medem em 10 mil nem 100 mil. São medidos em milhões de passageiros por dia”.

“É possível justificar tamanho volume de recurso pelo altíssimo retorno profissional e social que eles apresentam”, acredita o professor, que acrescenta outro elemento negativo no deslocamento diário do trabalhador: o ruído.

“Com mais horas no trânsito, mais horas sofrendo com ruído. Não é só o nível de ruído e, sim, a quantidade de tempo a que se está exposto a esse ruído.”

Mobilidade sistêmica

O professor Marcelino Aurélio, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defende que o planejamento de transporte das grandes cidades deve ser feito sempre de forma sistêmica, levando à risca os planos de mobilidade elaborados por especialistas.

“Às vezes a cidade vai crescendo de forma desordenada, então, de fato, precisa ter um planejamento mais sistêmico para garantir uma melhor qualidade de vida das pessoas”.

Ele acrescenta que a ausência de transporte coletivo de qualidade se torna um ciclo vicioso, a partir do momento que as pessoas passam a considerar iniciativas individuais.

“A gente tem que garantir que o transporte coletivo seja de qualidade para que as pessoas venham, cada vez mais, para o transporte público. Quando não está com uma qualidade boa, termina tendo mais pessoas no transporte individual, então vai aumentando o problema”.

O professor Pedro Barreto de Moraes, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), aponta que para a mobilidade urbana não ser um problema crônico é preciso pensar, essencialmente, no conceito de acessibilidade, “entendido como a capacidade de alcançar diferentes localizações, independentemente da forma urbana, do meio pelo qual vai ser feito, do horário…” 

“A mobilidade não deve ser um fim em si mesmo. Ela é um meio, assim como a ideia de conectividade, de densidade, de distribuição igual de propriedades ao longo do território, para que a gente atinja uma desejada acessibilidade para todas as pessoas”, avalia.

Fonte: Agência Brasil

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