O que há na regulamentação da Lei de equidade salarial?

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O governo publicou o Decreto 11.795, que regulamenta a lei da igualdade salarial entre homens e mulheres. A norma detalha mecanismos a serem utilizados para garantir e fiscalizar o cumprimento da Lei 14.611, sancionada em julho de 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Dessa forma, empresas com 100 ou mais funcionários terão que divulgar a cada seis meses, em março e setembro, o chamado Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. “Mais que garantir o cumprimento da lei, este decreto é um passo importante para a garantia da igualdade entre mulheres e homens no mundo do trabalho”, afirmou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.

Bom para a economia

Segundo ela, esta é uma prioridade da pasta e de todo o governo. “Além de ser uma questão civilizatória, os estudos já comprovam que a igualdade salarial impulsiona a economia e melhora o PIB do país.”

Assim, esses relatórios deverão conter informações como cargo e ocupação dos empregados, além dos valores da remuneração. O decreto cita ainda itens como 13° salário, gratificações; comissões, horas extras, adicionais (noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade), terço de férias, aviso prévio trabalhado, descanso semanal remunerado (DSR), gorjetas e outras remunerações previstas em norma coletiva.

Embora exista a menção de que os dados e informações constantes do relatório deverão ser “anonimizados”, não é preciso muito esforço para deduzir que essa disposição tem enorme potencial de preocupar as empresas, na medida em que, certamente, haverá situações em que será possível identificar empregados pela mera indicação de seu cargo, sobretudo aqueles ocupantes de cargos de liderança (diretores, gerentes, superintendentes etc.). Esse risco iminente traz implicações não apenas de ordem trabalhista, já que, na relação entre empregador e empregado, poderá haver questionamentos quanto à divulgação das informações e uma evidente possibilidade de desafios para a gestão de recursos humanos (atração e retenção de profissionais), mas, também, impactos de ordem concorrencial e de proteção de dados.

Em relação à proteção de dados, vale destacar que Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) traz um conceito amplo de dado pessoal, definido como qualquer “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”. A esse respeito, a mera referência a um cargo dentro de uma empresa já poderia ser suficiente para permitir a identificação do empregado que ocupa tal cargo, ainda que sem qualquer menção ao seu nome. Ademais, embora dados anonimizados estejam fora do escopo da LGPD, o artigo 12 da lei deixa claro que dados anonimizados serão considerados dados pessoais se o processo de anonimização puder ser revertido, utilizando meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder ser revertido.

Considerando o acima exposto, nos parece inócua a regra do decreto que indica que os dados constantes do relatório deverão ser anonimizados, dada a possibilidade de identificação de empregados pela mera referência aos seus cargos e, o que é ainda pior, com a indicação de seus salários, o que, a nosso ver, constitui flagrante violação do direito constitucional à privacidade e intimidade, com potencial de causar danos materiais e morais a esses indivíduos.

Por derradeiro, sob a ótica concorrencial, existe igualmente a preocupação de que a publicação frequente e atualizada de dados desagregados, indicando a totalidade da remuneração de cargos, induza à coordenação de comportamentos entre diferentes empregadores, reduzindo de alguma forma a competição existente entre estes pelos melhores profissionais no mercado de trabalho. A autoridade de defesa da concorrência do País, o Cade, inclusive, já tem pelo menos uma investigação em curso, na qual acusa certas empresas de infração contra a ordem econômica por compartilharem, de maneira menos frequente e sistemática, dados menos preocupantes sobre condições de contratação de profissionais.

Ainda que se possa questionar se tal coordenação existiria na prática e se o Cade tem competência ou se deveria examinar esse tipo de prática, é certo que faltou, na elaboração do referido decreto, preocupação com este viés concorrencial referente a tão relevante aspecto do funcionamento da economia.

Em razão dessas preocupações, as empresas têm buscado compreender qual o cenário jurídico de medidas que podem ser adotadas com no intuito de suspender a obrigação trazida pelo decreto ou, ainda, como podem ser organizar internamente para que não haja riscos para o negócio.

O prazo para divulgação são os meses de março e setembro de cada ano para a publicação semestral do Relatório de Transparência Salarial. Com isso, as empresas ganham uma extensão no prazo, inicialmente previsto para janeiro de 2024.

Conteúdo do relatório

De acordo com o decreto, o relatório deverá contemplar, no mínimo, as informações de cargo ou ocupação contidas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), com as respectivas atribuições e o valor da remuneração do trabalhador.

Conforme antecipamos, a comparação da remuneração deve englobar as parcelas fixas e variáveis pagas ao trabalhador, ou seja, devem incluir:

  • salário contratual;
  • décimo terceiro salário;
  • gratificações;
  • comissões;
  • horas extras;
  • adicionais noturno, de insalubridade, penosidade, periculosidade, entre outros;
  • terço de férias;
  • aviso prévio trabalhado;
  • descanso semanal remunerado;
  • gorjetas; e
  • demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração.

Em relação à remuneração variável, o desafio consiste em detalhar todas as verbas de forma segregada e indicar que, embora os critérios para pagamento sejam os mesmos para mulheres e homens, as possíveis diferenças salariais resultam de desempenhos distintos.

Será necessário ter mecanismos robustos para respaldar as empresas caso surjam questionamentos de que as diferenças salariais entre homens e mulheres na empresa se devem à discriminação de gênero e não à performance.

Fiscalização

O decreto atribui ao Ministério do Trabalho e Emprego competência para:

  • fiscalizar o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelas empresas; e
  • analisar as informações contidas nos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.

Caberá também ao Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Auditoria Fiscal do Trabalho, notificar as empresas no caso de constatação de desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, para que elaborem o plano de ação no prazo de 90 dias.

Como esperado desde a publicação da Lei de Equidade Salarial entre mulheres e homens, o principal impacto da mudança para as empresas está diretamente relacionado aos efeitos que as informações constantes do Relatório de Transparência Salarial terão em sua imagem institucional.

A publicidade das informações, ainda que garantida a anonimização de dados, expõe ao público possíveis práticas discriminatórias de gênero. No contexto atual, isso pode afetar a reputação das empresas, resultando até mesmo em danos financeiros devido às reações de consumidores, empregados e outros stakeholders.

Fonte: Ministério do Trabalho

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